Explorando a Fronteira da IA: Bases de Conhecimento Integradas

Descubra como a IA e bases de conhecimento integradas revolucionarão nossa interação com a tecnologia e superarão desafios.

Bases de conhecimento integradas
Bases de conhecimento integradas

Neste segundo artigo da série, vou explorar uma trilha de possível avanço da IA que deve causar um impacto profundo em nossa sociedade: o acesso à bases de conhecimento integradas.

Com o auxílio de aplicações especializadas, seremos capazes de ampliar nossa capacidade analítica em uma escala antes inimaginável, prevendo tendências e tomando ações de maneira mais rápida e precisa para lidar com problemas ou explorar oportunidades.

Em um artigo anterior, convidei você a sonhar um pouco comigo sobre o futuro de como a Inteligência Artificial (IA) servirá de interface em linguagem natural para todas as aplicações tecnológicas. Neste futuro além de responder perguntas como os atuais ChatBots, os aplicativos acessados por IA irão atuar como agentes automatizados capazes de executar tarefas e registrar transações coordenando diversas sequências de atividades não previamente programadas. A própria IA irá definir dinamicamente as tarefas necessárias para atender a um objetivo do usuário. Esta transformação tornará a tecnologia mais acessível e simples de usar, além de muito mais poderosa e produtiva.

Human-machine interaction using natural language conversation

Leia na íntegra o primeiro artigo da série Explorando a Fronteira da IA: Interfaces em linguagem natural

Reitero que nessa série de artigos não me limito a apresentar o estado atual da tecnologia. Meu objetivo é desenhar os próximos estágios de evolução para guiar investimentos de pesquisa e desenvolvimento. Não se trata de prever o futuro, mas de projetá-lo.

Acompanhe-me nessa jornada.

Bases de dados integradas

A tendência de integração de bases de dados já vem ocorrendo independentemente do uso de tecnologias de IA e pode ser percebida em várias iniciativas corporativas. Por exemplo:

  • Governamentais: buscando o controle integrado de impostos das empresas e dos cidadãos;
  • Setor bancário: com integração das informações de crédito, contas e transações financeiras;
  • Saúde: com compartilhamento de prontuário e histórico de exames de pacientes;
  • Comerciais: sistemas de CRM que integram dados de clientes e suas preferências para identificação de maiores oportunidades de realização de negócios em campanhas e ações personalizadas;
  • Gestão: monitoramento de dados transacionais da operação de negócio para geração de indicadores em diversos níveis.

A integração proporciona maior qualidade das informações, evita redundância e possibilita fazer análises cruzadas para identificar desvios e tendências.

Bases de conhecimento

No futuro, a IA terá acesso não somente a bases de dados integradas, mas a bases de conhecimento. Uma base de dados e uma base de conhecimento são duas coisas distintas, embora ambas sejam usadas para armazenar informações.

an organized shelf of file folders next to a large library - Imagem gerada por IA Midjourney
an organized shelf of file folders next to a large library – Imagem gerada por IA Midjourney

Uma base de dados é uma coleção estruturada de informações armazenadas de forma organizada e acessível para ser usada por aplicativos e sistemas que precisam acessar dados de forma eficiente. Ela é projetada principalmente para armazenar dados brutos como números, textos, datas, etc. Exemplos de bases de dados são Oracle, SQL Server, MySQL e Postgress.

Já uma base de conhecimento é uma coleção de informações que vai além dos dados brutos. Ela envolve informações processadas e contextualizadas, incluindo links, referências cruzadas e relações entre diferentes partes do conhecimento, permitindo uma visão mais ampla e integrada de forma a serem facilmente compreensíveis e acessíveis. A base de conhecimento geralmente inclui informações interpretadas e relacionadas, conhecimento especializado e insights.

Exemplos de bases de conhecimento incluem enciclopédias, wikis como a Wikipedia e sistemas de gerenciamento de conhecimento em empresas. Conhecimento de negócio pode ser mantido na forma de documentos, manuais, políticas, diagramas de processos, procedimentos, relatórios, modelos de arquitetura corporativa, documentação de sistemas, melhores práticas, resultados de análises, entre outros.

Na maior parte das organizações, as bases de conhecimento não estão bem estruturadas e raramente são atualizadas. Grande parte do conhecimento de negócio é tácito e só existe de forma fragmentada na memória dos funcionários mais antigos da empresa que acumularam muita experiência. Quando um funcionário desses se aposenta ou muda para outra empresa, parte do conhecimento do negócio é perdido e muita coisa precisa ser recriada ou então redescoberta de maneira exploratória em iniciativas de engenharia reversa.

Uma base de conhecimento ampla e bem estruturada poderia evitar esse risco e reduzir a dependência que a continuidade do negócio tem da memória e boa vontade de indivíduos, mas manter uma base de conhecimento atualizada é um grande desafio. Estruturar as informações de maneira organizada e consistente exige conhecimentos de modelagem e o registro do conhecimento em sistemas especialistas capazes de criar vínculos entre as informações e validar a consistência dos modelos.

Como essas tarefas são difíceis e trabalhosas e seu benefício só será colhido no futuro, muitas empresas não investem na gestão do conhecimento e deixam para lidar com o problema quando ele ocorrer. Não é uma boa estratégia. É como uma pessoa que sabe que tem colesterol alto ficar esperando por um infarte para só depois mudar a dieta e os hábitos sedentários.

IA mantendo bases de conhecimento atualizadas

Com sistemas especialistas baseados em IA, a manutenção das bases de conhecimento dependerá cada vez menos de dedicação humana e se tornará um processo mais fácil, acessivo e barato.

Dados tem sido disponibilizados em volumes imensos através de registros de sistemas transacionais (logs), sensores e equipamentos de um mundo cada vez mais conectado. Veja como você está conectado. Os sistemas bancários monitoram todas as suas transações financeiras; o seu celular armazena todos os locais por onde passa e todas as suas mensagens e comunicações pessoais; seu relógio monitora seus passos e batimentos cardíacos, a balança de bioimpedância no seu banheiro monitora, além do seu peso, a sua gordura corporal e diversos outros indicadores. As bases de dados estão crescendo. Mas transformar todos esses dados em conhecimento seria uma tarefa humanamente impossível sem auxílio computacional e a IA tem um papel fundamental neste processo.

Atualmente já é possível, por exemplo, mapear processos de negócios através de sistemas de mineração de processos. Esses sistemas avaliam os logs de aplicações transacionais e desenham como os fluxos de processos estão ocorrendo na prática. Uma informação valiosa para identificar desvios e inconsistências com relação ao que havia sido projetado.

Sistemas especialistas de IA são capazes de selecionar informações a partir de documentos, e-mails, diálogos em reuniões e qualquer outro tipo de fonte de dados para manter atualizadas as bases de conhecimento de um negócio de forma automática. Inconsistências e pontos de atenção são automaticamente identificados e levados a análise do humano com alçada para tomada de decisão sobre o que deve ser considerado correto para a base de conhecimento. Veja que a participação humana é reduzida a tomada de decisão somente sobre aquilo que a IA não consegue fazer sozinha. Como ela é capaz de aprender com as decisões tomadas, esse volume de exceções vai sendo reduzido progressivamente e a necessidade de intervenção humana na manutenção da base de conhecimento será cada vez menor e as bases cada vez mais consistentes. Manter a base de conhecimento atualizada será cada vez mais fácil e barato.

IA com acesso a diversas bases de conhecimento integradas

Uma das potencialidades mais utilizadas nos sistemas baseados em Inteligência Artificial é a de mapear correlações e identificar padrões em grandes volumes de informações. Com acesso a bases de conhecimento mais completas e consistentes, sistemas especialistas poderão identificar desvios e tendências com muito mais precisão.

À medida que a inteligência artificial tem acesso a bases de conhecimento integradas com informações governamentais, de saúde, financeiras, dos cidadãos, dos clientes, dos processos e políticas de negócio e dos dados transacionais dos sistemas de gestão corporativos, ela poderá realizar uma ampla variedade de tarefas e oferecer benefícios significativos em várias áreas.

Aqui estão alguns exemplos do que a IA já está fazendo em algum nível e poderá fazer de forma muito mais ampla no futuro:

  1. Monitoramento estratégico: oferecer insights e recomendações para tomadas de decisões estratégicas recomendando mudanças em políticas, processos e sistemas para o alcance de objetivos em painéis gerados automaticamente para o acompanhamento de KPIs e a simulação de cenários.
  2. Detecção de Fraudes e Ataques: identificar padrões suspeitos e atividades fraudulentas em tempo real, emitindo alertas e tomando ações automáticas de interrupções e bloqueios de atividades, protegendo instituições e seus clientes.
  3. Diagnóstico Médico Preciso: auxiliar médicos na análise de dados de pacientes, seu histórico de saúde comparado ao de seus ancestrais e analisá-lo frente ao de outros pacientes com perfil semelhante para realizar diagnósticos e prognósticos precisos e sugerir tratamentos personalizados levando em consideração a totalidade da literatura médica mais atualizada.
  4. Previsão de Epidemias e Saúde Pública: prever surtos de doenças e ajudar na alocação eficiente de recursos de saúde através do monitoramento constante dos dados de saúde pública em tempo real cruzando-os com canais não oficiais, como mídias jornalísticas e redes sociais para gerar sinais de adicionais de alerta.
  5. Mordomo Individual: oferecer atendimento altamente personalizado a cada indivíduo com assistentes pessoais respondendo a perguntas e resolvendo problemas de maneira mais eficaz. Assim como hoje, cada um tem o seu celular personalizado com tudo o que utiliza, seus contatos e histórico de mensagens, cada um terá o seu assistente pessoal que acompanhará e ajudará em todas as suas atividades.
  6. Governança Regulatória com 100% de conformidade: garantir a conformidade de todos os processos de negócio com regulamentações governamentais, analisando as políticas e monitorando os dados transacionais para identificar, alertar e corrigir eventuais violações. Uma espécie de vigilante digital.
  7. Previsão de Demanda e Estoque: prever demanda futura e otimizar o estoque, reduzindo custos e melhorando a eficiência logística em diversos setores.
  8. Assistência ao Planejamento Urbano: ajudar na gestão de cidades, monitorando e otimizando o tráfego, otimizando a gestão de recursos e melhorando a qualidade de vida.

Esses são apenas alguns exemplos do que a IA pode realizar quando alimentada com uma base de conhecimento ampla e integrada. À medida que a tecnologia continua a evoluir, a capacidade da IA de tomar decisões mais precisas e automatizar tarefas complexas deve crescer significativamente com impacto positivo em diversos setores gerando melhoria da eficiência e da qualidade de vida. E tudo isso poderá ser acessado pelos usuários por meio de linguagem natural, conversando com a IA no idioma de sua preferência.

Desafios para esse futuro

Para que esse futuro seja possível, ainda temos que ultrapassar uma série de barreiras estruturais e culturais no cenário atual que envolve organizações e indivíduos.

  1. Sistemas não integrados: Ainda há muitos sistemas que geram e manipulam dados de maneira isolada. Veja em sua própria organização quantos controles ainda são mantidos em planilhas Excel não vinculadas a um sistema corporativo. E mesmo os sistemas corporativos ainda são muito isolados em silos. Recebo ligações frequentes da minha companhia telefônica me oferecendo um serviço que já possuo, porque os seus sistemas de vendas e atendimento não estão integrados. Ainda há muito trabalho a ser feito para realizar a integração entre sistemas diversos e o compartilhamento de dados entre diferentes silos organizacionais. 
  2. Qualidade de dados: Cientistas de dados frequentemente reclamam que a maior parte do seu esforço não é gasto na geração de informações para a tomada de decisão. A maior do trabalho consistem em limpar e classificar dados de bases que foram alimentadas de maneira não disciplinada. Quem atua na operação do negócio raramente entende como os dados serão usados posteriormente para tomada de decisão e por isso não está comprometido com a classificação adequada dos dados que são alimentados nos sistemas. Se entrar “porcaria” a saída será “porcaria”. Garantir a presença de dados de qualidade é premissa para que a IA possa trabalhar.  
  3. Cultura de competição: Acesso à informação é um diferencial competitivo. Isso faz com que empresas concorrentes evitem realizar o compartilhamento de informações. A colaboração em um setor depende muitas vezes da condução por um agente regulador, como o banco central, o ministério da saúde ou o do turismo, ou então de associações para a geração de padrões e normas, como a ISO ou a W3C. Em muitos setores, fazer com que organizações e pessoas atuem de forma colaborativa ainda exige uma transformação para um paradigma de cooperação que nem sempre é bem compreendido.
  4. Conhecimento tácito: A maior parte do conhecimento de negócio atual ainda está disponível apenas na mente das pessoas que realizam e gerenciam o negócio. Bases de conhecimento corporativo estruturadas e atualizadas são raras para servir de insumo de qualidade para o aprendizado de máquina. Ou seja, mesmo que queiramos utilizar a IA como ferramenta para fazer essa atualização das bases de conhecimento daqui para frente, precisamos de um ponto de partida mais robusto, com sistemas especialistas acessando informações explícitas e estruturadas em padrões compreensíveis onde a IA possa aprender para poder repetir o seu padrão. O primeiro passo ainda vai exigir muito trabalho humano até que as máquinas estejam treinadas para seguir adiante.
  5. Limitações do aprendizado de máquina: A IA não segue um algoritmo pré-definido para executar suas tarefas. Ela “aprende” a partir do reconhecimento de padrões em conhecimentos históricos que foram compartilhados com ela e usa esse aprendizado de forma discernitiva para a tomada de decisões ou generativa, criando novos conteúdos. Essa lógica de funcionamento com base no aprendizado de máquina carrega o risco de propagação de equívocos e vieses podendo perpetuar injustiças e fortalecer preconceitos. É impossível garantir que as bases utilizadas no treinamento da IA sejam 100% corretas e justas. Além do esforço de limpeza dos materiais de treinamento, é necessário criar mecanismos de controle que implementem políticas deliberadas que promovam a justiça e evitem o preconceito.
  6. Governança do conhecimento: O que é de fato verdadeiro ou falso? Quem tem autoridade para validar um conhecimento? E de que forma esse conhecimento é validado? Para que as bases de conhecimento possam se desenvolver de maneira confiável é necessário desenhar uma estrutura de governança que estabeleça papéis, responsabilidades e alçadas de validação cruzando diferentes organizações e setores em federações de gestão do conhecimento. Um exemplo atual é a estrutura de manutenção das páginas do Wikipedia que é coordenada de maneira colaborativa e descentralizada. Estruturas desse tipo precisarão ser implementadas em diferentes escalas para todos os tipos de conhecimentos.
  7. Garantia da privacidade e do sigilo: O acesso a informações pessoais em bases de conhecimento precisa respeitar os direitos do cidadão a sua privacidade. Apesar de termos buscado dar clareza as regras relacionadas a isso em legislações como a GDPR na Europa ou a LGPD no Brasil, muitas organizações ainda não estão atuando em conformidade com essas leis. É preciso fiscalização e respeito às leis. Penso que no futuro poderemos identificar situações de conflito entre direito individual e benefício coletivo com relação ao compartilhamento ou não de informações confidenciais. Estes casos envolvem questões éticas que precisarão ser discutidos e regulamentados nos fóruns competentes. Respeito às leis vigentes é fundamental para a garantia de direitos. Para o compartilhamento de conhecimentos em escala global, precisaremos discutir e desenvolver um acordo de legislação unificada.
  8. Viéses: Mesmo que inéditos, os conteúdos gerados por IA são baseados em modelos estatísticos a partir das bases de conhecimento utilizados no seu treinamento. Esse comportamento leva a replicação de padrões e pode reforçar preconceitos e injustiças. Por exemplo, se no histórico da base de conhecimentos de uma instituição financeira, o crédito foi negado com mais frequência a pessoas de certa etnia, a IA pode tomar isso como um critério de julgamento e repetir esse julgamento. Não se trata de uma configuração intencional feita por alguém de má índole, mas apenas um aprendizado de máquina baseado em modelos estatísticos. Com a retroalimentação desses resultados nas bases de conhecimento as tendências estatísticas vão se tornando mais expressivas e os viéses tendem a serem reforçados exponencialmente. É preciso criar mecanismos de proteção que evitem esse comportamento.
  9. Garantia da qualidade e da veracidade: Fica cada vez mais difícil saber o que é verdade ou não. Claro que sempre foi fácil gerar conteúdo falso por texto e este desafio não nasceu com a IA. Mas principalmente no caso de imagens, audio e vídeo, a falsificação antes dependia de conhecimentos e equipamento especializados. Com uso de IA, qualquer pessoa se torna capaz de gerar um “deep fake” criando situações falsas com gente de verdade. Basta pedir e a IA cria uma imagem do “Papa Francisco desfilando em uma escola de samba com mulatas no carnaval do Rio de Janeiro”. É preciso criar mecanismos técnicos e regulamentos punitivos para restringir o uso da IA como meio de propagação de falso conteúdo.
Papa Francisco desfilando em uma escola de samba no carnaval carioca - Imagem criada pela IA Midjourney
Papa Francisco desfilando em uma escola de samba no carnaval carioca – Imagem criada pela IA Midjourney

Como pode-se constatar, os desafios listados aqui não são fáceis de serem superados, o que indica uma distância considerável para que esse futuro sonhado se torne realidade. Mas são desafios mapeados e, entendo eu, superáveis se houver coordenação e interesse compartilhados por pessoas que sonham e trabalham juntas em busca de um futuro melhor.

Conclusão

Apesar dos desafios, o futuro que se apresenta com o uso da IA é promissor. Com acesso em linguagem natural a Inteligências Artificiais capazes de atuar como agentes acessando bases de conhecimento integradas e consistentes poderemos resolver problemas, automatizar tarefas complexas e explorar oportunidades com agilidade e previsibilidade em níveis dantes inimagináveis.

Os desafios precisam ser encarados de frente para que a sociedade possa obter o melhor resultado desse futuro sonhado e garantir a melhoria da qualidade da vida de cada indivíduo e da sociedade de maneira geral. Nosso papel é tomar consciência desses desafios e liderar ações para cruzar essa jornada com sucesso.

Deixe seu comentário e compartilhe como você pensa que a IA impactará o seu dia-a-dia.

O último artigo dessa trilogia vai tratar da última trilha de evolução que compõem esse futuro sonhado: processos e políticas reconfigurados dinamicamente por IA. Nos vemos lá!

Outros artigos e videos sobre Inteligência Artificial