Explorando a Fronteira da IA: Reconfiguração Dinâmica

Como seria um mundo autorregulado por IA? Seria aterrorizante ou algo que vale a pena sonhar? Este artigo explora aspectos positivos neste cenário.

Nos dois primeiros artigos dessa série sobre o futuro da Inteligência Artificial (IA), explorei as possibilidades e desafios do uso de aplicações com interface em linguagem natural e com acesso a bases de conhecimento integradas. Neste terceiro e último artigo da trilogia, vou discutir como a IA poderá evoluir para reconfigurar dinamicamente processos e políticas de negócio em busca ao alcance de melhores resultados redesenhando a si mesma de maneira contínua.

DRAWING HANDS (DESENHANDO MÃOS) – MAURITS CORNELIS ESCHER
DRAWING HANDS (DESENHANDO MÃOS) – MAURITS CORNELIS ESCHER

Nota: Essa série não busca prever o futuro, mas projetá-lo a partir do que queremos, buscando dessa forma orientar iniciativas de evolução tecnológica nas organizações.

Gerenciamento do fluxo de trabalho

Muitas organizações hoje operam seus processos de negócio utilizando plataformas de workflow, onde as tarefas e atividades automáticas e humanas são controladas por sistemas de computador para que fluam de acordo com uma sequência planejada por especialistas para entregar os resultados esperados em conformidade com os controles de qualidade exigidos.

É dessa forma que hoje ocorrem praticamente todos os processos de grandes empresas hoje, desde a contratação de funcionários, pagamento de salários e fornecedores, emissão de notas fiscais, atendimento a clientes, compra de material… tudo que acontece de forma repetitiva e que é estruturado e regulado de alguma forma.

Automated workflow - Criada usando a IA Midjourney
Automated workflow – Criada usando a IA Midjourney

Uma mudança num fluxo desses depende de um projeto de transformação organizacional, onde analistas de negócios avaliam os gaps do processo atual a partir dos indicadores de desempenho, identificam possíveis causas raízes e oportunidades de melhoria, redesenham o processo com as mudanças necessárias e encaminham as mudanças a analistas de sistemas e programadores que versionam modelos e códigos para modificar fluxos e regras que serão testados antes de serem atualizados no ambiente de produção. Ou seja, cada mudança envolve um esforço considerável de várias pessoas para modificar a rotina de trabalho.

Agora, imagine uma empresa onde pessoas, robôs e sistemas de IA colaboram continuamente para ajustar a operação em tempo real, como parte da rotina. Não como projeto, mas como processo de melhoria contínua.

No futuro, além de ser usada como recurso de execução automático de tarefas, a IA também monitorará e redesenhará processos e regras de forma dinâmica em busca de implementar estratégias e alcançar objetivos definidos pelos humanos. A IA não se limitará a políticas rígidas e fluxos de atividades pré-definidos, mas poderá ajustar-se automaticamente para otimizar resultados modificando as políticas e os fluxos.

Uma inteligência artificial que se auto programa em um loop infinito, criada usando a IA ChatGPT-4, Open AI
Uma inteligência artificial que se auto programa em um loop infinito, criada usando a IA ChatGPT-4, Open AI

Exemplo de uma companhia aérea

Vamos usar como exemplo um processo de uma companhia aérea. Quando um voo atrasa, o que acontece diariamente, vários passageiros perdem suas conexões em outros vôos que estavam planejados anteriormente. A partir deste evento, um conjunto de atividades precisa ser realizado:

  1. todos os passageiros que tem conexões a partir desse voo precisam ser identificados;
  2. os horários de cada um dos vôos de conexão precisam ser checados para identificar quais poderão ser ainda mantidos e quais serão perdidos;
  3. os passageiros dos vôos perdidos precisam ser realocados em próximos voos no horário mais conveniente;
  4. suas bagagens devem ser redirecionadas para as novas conexões, 
  5. seus bilhetes anteriores devem ser cancelados e novos bilhetes precisam ser gerados;
  6. Os passageiros afetados precisam ser devidamente orientados da mudança pelos membros da tripulação. 
  7. Em caso de longas esperas, precisam ser alocados em hotéis e receberem refeições ou até atendimento especial devido a condições de saúde. 

Neste processo, um conjunto de regras e políticas definem critérios de julgamento para a tomada de decisão operacional. Por exemplo:

  • Qual o tempo mínimo para viabilizar uma conexão?
  • Quanto o passageiro recebe de vale alimentação?
  • Qual o período de espera mínimo que exige que o passageiro receba hospedagem gratuita em um quarto de hotel?

Ainda assim, muitos passageiros surgem com condições e preferências não previstas no processo gerando momentos de estresse junto a funcionários impotentes nos guichês de atendimento da companhia. (Espero que você nunca tenha passado por isso, mas quem já passou faz ideia do que estou dizendo).

  • O que fazer se o passageiro é um cadeirante?
  • E se for um menor viajando desacompanhado?
  • Uma pessoa de idade?
  • Se não houver lugar disponível nos próximos vôos?

Cada uma dessas situações exigem análise e desenvolvimento de novas tarefas e regras que serão foco de um projeto de automação para que possam ser tratadas de maneira estruturada quando ocorrerem novamente. É através de múltiplos projetos que os sistemas de workflow evoluem.

Sistema dinâmico para uma companhia aérea com uso de IA

No futuro, esse e muitos outros processos e regras relacionadas serão monitorados e adaptados continuamente por inteligência artificial. Em vez de analisar, redesenhar e automatizar o processo, o trabalho do humano que atua como gestor será o de definir objetivos estratégicos para serem continuamente otimizados pela IA. Exemplo:

1.       Máxima satisfação do passageiro

2.       Mínimo custo de operação

Em caso de objetivos possivelmente conflitantes como esses 2 acima, o gestor deverá indicar claramente a prioridade e eventualmente pesos para a busca do balanço desejado. A IA irá assumirá a responsabilidade de redesenhar os processos e configurar as regras em busca desses resultados de maneira dinâmica e contínua.

No futuro, a diferença entre duas companhias aéreas poderá não ser mais o quão bem elas implementam suas estratégias, dado que ambas possivelmente utilizarão uma IA semelhante para serem excelentes na sua implementação. A diferença estará no peso que colocam em cada um desses objetivos, o que estará refletido diretamente nos preços das passagens em busca de perfis de clientes diferentes.

Em tese, isso já deveria acontecer hoje e o maior preço significaria um serviço de nível superior. Mas sabemos que entre a estratégia e a execução existe um verdadeiro abismo de processos e regras mal modelados e situações não previstas que geram indignação e frustração. A IA pode ajudar a reduzir essa distância consideravelmente com serviços extremamente otimizados.

Exemplo de cidade inteligente com IA

A IA também tem o potencial de revolucionar a formulação de políticas públicas. Governos podem usar IA para analisar dados de maneira mais abrangente e preditiva, identificando problemas sociais, ambientais ou de infraestrutura emergentes, definindo metas e implementando políticas mais eficazes. Numa cidade inteligente, sensores de tráfego, de trânsito de pessoas e de poluição poderão medir índices continuamente e, com base nas informações coletadas, promover diversas melhorias como:

  1. otimizar os semáforos e sinais de trânsito para reduzir engarrafamentos, melhorar a fluidez e minimizar o tempo gasto nos semáforos.
  2. prever congestionamentos e oferecer rotas alternativas aos motoristas, com base em eventos como acidentes, obras rodoviárias ou condições meteorológicas.
  3. fornecer informações aos motoristas sobre onde encontrar vagas de estacionamentos
  4. ajustar as tarifas de estacionamento com base na demanda, incentivando o uso de transporte público ou compartilhamento de caronas para reduzir o trânsito e a poluição.
  5. otimizar as rotas e horários de transporte público com base nas necessidades dos passageiros em tempo real. Isso inclui ajustar a frequência de ônibus, trens ou metrôs e fornecer informações precisas sobre chegadas e partidas.
  6. identificar e multar veículos que emitem poluentes acima dos limites permitidos.
  7. restringir o tráfego em áreas de alta poluição durante picos de poluição do ar.
  8. ajustar a distribuição de energia para otimizar o uso de fontes de energia limpa.

Esta lista nem trata de algo futurista. São exemplos reais do que várias cidades inteligentes já estão fazendo hoje com uso de IA em diferentes níveis. 

Muitas outros benefícios poderão ser implementados no futuro em áreas como segurança pública, prevenção de epidemias, atendimento ao cidadão, limpeza e manutenção de áreas públicas, cobrança de impostos, educação e onde mais existirem processos e regras.

Desafios para o desenvolvimento de sistemas dinâmicos com IA

No entanto, essa revolução da IA não é isenta de desafios e preocupações. Veja a seguir 4 aspectos onde a implantação de sistemas dinâmicos com IA ainda precisa evoluir e o por que.

Técnica

Os modelos de linguagem disponíveis no mercado hoje têm se mostrado muito hábeis ao escrever código fonte de aplicações de software ou então descrever processos e regras de negócio de forma estruturados, mas estão longe de serem infalíveis. Pelo contrário, erros ainda são mais comuns do que os acertos e geralmente o uso profissional dessas informações tem necessitado de intervenção humana. Mesmo assim, é inegável que estão sendo utilizados como ferramentas e otimizado incrivelmente a produtividade do trabalho de quem as utiliza.

É difícil prever se em algum momento teremos sistemas totalmente confiáveis para monitorar e configurar autonomamente os processos e regras de negócios na forma como proponho neste artigo, mas certamente podemos contar com sistema de IA em uma forma “acompanhada” para que isso aconteça. Nesta forma, sistemas apresentam o resultado de suas análises e as recomendações de mudança e aguardam por uma autorização do humano responsável para que possam ser implementadas. Caso necessário esse humano poderia fazer ajustes manuais.

Assim como acontece com um novo funcionário, a confiança na IA poderá ser conquistada com o tempo e o nível de autonomia delegado poderá ser reavaliado incrementalmente.

Ética

Como já comentei em outros artigos, a IA tem o potencial de amplificar preconceitos e viéses presentes nos dados usados para treiná-la. Principalmente se as decisões tomadas pela IA retroalimentam o processo de treinamento, o que potencializa as tendências exponencialmente. 

Garantir que os sistemas beasdos em IA tomem decisões éticas e justas é um desafio contínuo e necessita do monitoramento e a criação de “guardrails” (limitações de proteção) que evitem que a IA ultrapasse certas fronteiras.

Regulamentos e legislações que estabeleça essas fronteiras em acordos internacionais já estão se tornando realidade, como o Artificial Intelligence Act da União Europeia, mas ainda há muito para avançarmos. 

Privacidade

Outro ponto que merece atenção é como lidar com o acesso generalizado por sensores, câmeras e bases de cados compartilhadas quando se tratam de dados sensíveis. 

Questões de privacidade precisam ser discutidas e alguma garantia deve ser dada de que essas informações serão usadas pelas autoridades apenas no interesse legítimo do cidadão e não de maneira ofensiva a ele. 

Além disso, é preciso cuidar para que essas informações sejam armazenadas e mantidas de maneira segura e restrita. A segurança dos sistemas de IA é essencial para proteger informações confidenciais.

Equidade

O acesso e a adoção de tecnologia não é uniforme. Enquanto estamos aqui discutindo a criação de cidades inteligentes e sistemas dinâmicos, segundo a Unesco, 46% da população global ainda vive sem acesso a saneamento básico. A desigualdade econômica e social já é abissal em nosso mundo.

Com o avanço cada vez mais rápido de processos de gestão potencializados por ferramentas de IA, a sobrevivência de organizações e países que ficam para trás podem se tornar inviável, incapazes de enfrentar as desigualdades e competir no mercado. Isso tende a gerar ainda mais centralização do poder econômico e político em poucas organizações.

Políticas e regulamentações que exijam o desenvolvimento sustentável com foco em todo o planeta, como as Metas de Desenvolvimento Sustentável propostas pela ONU, precisam ser apoiadas e consideradas na lista de objetivos de todos os projetos que envolvam IA. Não se trata de barrar a evolução da tecnologia, mas de garantir que esta evolução ocorra de forma sustentável e em benefício social e ambiental.

Conclusões

Embora traga consigo um conjunto de responsabilidades e desafios, considero que o futuro da IA é promissor. A IA está redefinindo a maneira como operamos nossos negócios com potencial para melhorar nossas vidas em inúmeras áreas e precisamos nos envolver com esse desenvolvimento para garantir que nossos interesses sejam priorizados. 

Nesta série de 3 artigos, explorei possíveis avanços que poderemos obter com o uso de sistemas de Inteligência Artificial:

  1. modificando a maneira como as pessoas interagem com as máquinas;
  2. reorganizando e mantendo nossas bases de conhecimento vivas e atualizadas;
  3. otimizando nossas organizações de maneira dinâmica.

Muitas dessas evoluções vão precisar de nosso apoio e participação. Não devemos ser apenas expectadores da mudança do mundo a nossa volta, mas protagonistas em nosso raio de atuação. 

Convoco você a fazer parte da transformação e a discutir esses desafios em sua organização, comunidade ou nos projetos em que atua.

  • O que você espera para um futuro apoiado por soluções de IA? 
  • Como você gostaria que a IA impactasse o seu dia-a-dia? 
  • Como a IA pode ser usada para fazer o mundo melhor?

Compartilhe seus pensamentos e participe da construção deste emocionante futuro. Agradeço por acompanhar esta série de artigos sobre a fronteira da IA. Vamos juntos moldar o amanhã!


Artigos da série Explorando a Fronteira da IA

  1. Acesso em Linguagem Natural
  2. Bases de Conhecimento Integradas

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